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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Movimento divisionista de Mato Grosso

Apresentação

O Sul de Mato Grosso até o início do século XVIII, quando ocorre a descoberta de ouro em Cuiabá, é uma região banhada por índios e paraguaios remanescentes das missões jesuítas espanholas. Os espanhóis, no século XVI, introduzem o gado no Sul de Mato Grosso e iniciam a exploração e a comercialização da erva-mate. Algumas tribos indígenas, entre elas, os Guaicuru, aprendem com os espanhóis a usar o cavalo como montaria e o manejo do gado, tornam-se cavaleiros e são os primeiros fazendeiros sul-mato-grossenses.

A prosperidade das minas de ouro cuiabanas leva a coroa portuguesa a criar a Capitania de Mato Grosso, em 1748, e a assinar, com a Espanha, o Tratado de Madri, em 1750. Após estes dois fatos, os portugueses procuram tomar posse do Sul de Mato Grosso, construindo fortes e presídios no Vale Paraguaio. Assim, além de assegurar a Cuiabá o acesso aos grandes centros econômicos e políticos, rechaçam, também, a expansão espanhola que colocava em risco a posse das minas de ouro de Cuiabá.

A exploração de minas de ouro em Cuiabá permite a intensificação do trânsito das bandeiras paulistas no Sul de Mato Grosso. Entre as rotas fluviais utilizadas por estas bandeiras está a do Rio Pardo. Dois dos afluentes do rio Pardo e que são explorados pelos bandeirantes, no século XVIII, são o Anhanduí-Guaçu e o rio Anhanduí, este último formado pelos córregos Prosa e Segredo. Isto evidencia a presença dos descendentes dos portugueses nos campos, onde mais tarde surge o povoado de Campo Grande.

No século XIX, a decadência das minas de ouro de Cuiabá, de Minas Gerais e outras localidades provocam nestas Províncias instabilidades políticas e econômicas. Estes fatores possibilitam a migração de cuiabanos, goianos, mineiros, paulistas e gaúchos para o sul de Mato Grosso. Estes novos bandeirantes vêm atraídos pela fertilidade do solo, pela grande quantidade de gado bovino nos campos de Vacaria e Pantanal, e fundam núcleos populacionais ou reativam outros.

Após a Guerra com o Paraguai intensifica-se a migração para o Sul de Mato Grosso. Em 1872, José Antônio Pereira acompanhado de dois filhos e mais alguns homens saem de Monte Alegre, Minas Gerais, de onde outros já haviam saído, rumo às terras do Sul de Mato Grosso. Atravessam o rio Paranaíba, penetram o Sul de Mato Grosso, passando por Sant’Ana do Paranaíba e pelo rio Sucuriú, transpõem os cerradões do rio Pardo, e acampam nas terras onduladas da Serra de Maracaju.

José Antônio Pereira encontra, nesta região, o poconeano João Nepomuceno e algumas famílias camapuanas fixadas ao longo do córrego Prosa, onde cultivavam suas roças. O que chama a atenção de José Antônio Pereira, é o viço do milharal e outros cereais cultivados por esses posseiros. Inspeciona o lugar e constata a fertilidade do solo, a amenidade do clima, a existência de boas pastagens e boa aguada. Esses fatores convencem José Antônio Pereira a não prosseguir viagem e iniciar uma roça a exemplo dos demais posseiros destes campos.

No início do ano seguinte, José Antônio Pereira regressa a Minas Gerais, de onde retornaria três anos depois, com toda a sua família e alguns agregados, sendo a comitiva composta de sessenta e duas pessoas.

Durante a ausência de José Antônio Pereira, permanece como guardião de sua roça, João Nepomuceno. Em junho de 1875 chega aqui outro mineiro, Manuel Vieira de Souza, que veio com seus antecessores de mudança para Campos de Vacaria, em companhia de seus familiares e alguns escravos.

João Nepomuceno procura se informar do recém-chegado, se ele tinha notícia de José Antônio Pereira, não obtendo a informação desejada e desesperançado do seu retorno, dado o longo tempo decorrido, negocia com Manuel Vieira de Souza a transferência de posse, não sem antes ressaltar os direitos de José Antônio Pereira.

Em agosto de 1875 chega a Campo Grande José Antônio Pereira, conduzindo sua expedição composta de onze carros mineiros, os quais, além das provisões necessárias aos primeiros tempos, traziam também sementes, mudas diversas, inclusive cana-de-açúcar e café. Em seguida à sua chegada José Antônio Pereira se entende com Manuel Vieira de Souza, e se juntam para organizar a ocupação de Campo Grande.

A história oral admite que José Antônio Pereira não é o primeiro desbravador a instalar moradia na confluência dos córregos Prosa e Segredo, ela aponta, também, a existência de uma comunidade negra, no Cascudo, hoje Bairro São Francisco, contemporânea a chegada dos primeiros desbravadores descendentes dos portugueses. Entretanto, esta mesma história oral reconhece que José Antônio Pereira, falecido em 1900, influenciou nos primeiros tempos a sistematização da ocupação do povoado. Ele dirigiu e orientou as demarcações das posses, procurando harmonizar os interesses daqueles que pretendiam se fixar no vilarejo.

Entre as demarcações efetivadas por José Antônio Pereira destacam-se: fazenda Bom Jardim, ele reserva para si; fazenda Bandeira, para seu filho Joaquim Antônio; fazenda Lageado para Manuel Vieira de Souza; fazenda Três Barras para seus genros, Antônio e Manuel Gonçalves; e fazenda Bálsamo, legada a seu filho Antônio Luiz.

A sede da fazenda Bálsamo é construída em 1880, formada originalmente de três edificações. Este conjunto arquitetônico é, hoje, o Museu José Antônio Pereira, um dos poucos documentos da época da fundação de Campo Grande.

As ações de José Antônio Pereira estimulam a fixação, em Campo Grande, de outros desbravadores que estavam em busca de novas terras e prosperidade para si e seus familiares.

Em pouco tempo Campo Grande adquire características de um vilarejo em franco desenvolvimento. As qualidades do lugar, ou seja, a fertilidade do solo e a facilidade de se conseguir terra para instalar suas fazendas, atraem outros migrantes vindos das diferentes Províncias.

A implantação do povoado em Campo Grande ocorre nas encostas da Serra de Maracaju, local cujo relevo se comporta como um grande plano inclinado, onde a altitude varia entre 500 e 600 metros. O território escolhido é delimitado pelas latitudes 20º13’N e 21°34’S e as longitudes 53°36’E e 54°54’45”O do meridiano de Greenwich. Situa-se bem na divisa entre as duas grandes bacias hidrográficas Paraná e Paraguai. Esta sua posição geográfica faculta-lhe a condição de encruzilhada dos caminhos utilizados no início pelos desbravadores, depois como meio de comunicação com os diversos povoados do Sul de Mato Grosso. É também, uma das passagens rumo ao Triângulo Mineiro e Oeste Paulista. A localização geográfica de Campo Grande é um fator que ao longo de sua história, a privilegia como centro irradiador do desenvolvimento socioeconômico e político da região sul mato-grossense.

O desenvolvimento de Campo Grande não tardou em polarizar as atenções dos fazendeiros dos Campos de Vacaria e de todo o planalto de Maracaju, transformando o arraial em entreposto comercial de gado entre o Triângulo Mineiro e todo o Sul de Mato Grosso. Esta atividade econômica se fazia cada vez mais intensa, Campo Grande revela-se no Sul de Mato Grosso no mais ativo centro de comércio de gado.

No início de 1889, o mestre-escola José Rodrigues Benfica, gaúcho e ex-combatente da Guerra com o Paraguai, atendendo o apelo de alguns cidadãos do arraial, funda a primeira escola do lugar. Coube a este professor, falecido em 1905, a responsabilidade de educar a primeira geração de campo grandenses.

Este melhoramento se junta a outros, os quais levam o governo da província de Mato Grosso, através da Lei Provincial n°792, de 23 de novembro de 1889, a criar no município de Nioaque o distrito de Paz de Campo Grande. E dez anos depois, a Lei n. 225, de 26 de agosto de 1899, eleva Campo Grande à categoria de vila e determina a criação do Município, desanexando-o da comarca de Nioaque. O município, inicialmente, conta com uma área superior a 100 mil km², estendendo-se entre os rios Aquidauana, Brilhante, Ivinhema, Paraná e o Verde, até às suas cabeceiras, compreendendo os municípios de Rio Brilhante, Bataguassu, Ribas do Rio Pardo, Rochedo, Terenos, Sidrolândia, Jaraguari e parte de Camapuã. O desenvolvimento sócio-econômico do sul de Mato Grosso propicia, gradativamente, a fragmentação desta imensa área que constituía o município de Campo Grande. Nos fins de 1909, por determinação do Presidente do Estado Coronel Pedro Celestino Corrêa da Costa, se fez a demarcação das terras para a sede da cidade, cuja área era de 3.600 hectares.

Dois anos antes dessa determinação de Pedro Celestino, em 1907, chegam a Campo Grande, a serviço da Companhia de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, o engenheiro Emílio Schcnoor e sua comitiva. Vieram estudar o terreno e definir o traçado da ferrovia.

O contrato assinado entre o governo federal e a Companhia de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, permite a esta companhia interferir na estruturação de área urbana, elaborando para aquelas cidades situadas no traçado ferroviário, um planejamento para disciplinar a ocupação urbana e sugere às Intendências Municipais, um Código de Postura, no qual, além de estabelecer diretrizes de ocupação, define algumas medidas de higiene e saúde pública. Com isso, as cidades ganham um traçado xadrez onde, além de reordenar a aglomeração existente, prevê a expansão urbana.

Em Campo Grande o planejamento urbano sugerido pela Companhia de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, estabelece um centro onde se localizam as casas comerciais, residências, sede de alguns órgãos públicos, prevê a criação de bairros, entre eles, o bairro ferroviário que abrigaria o conjunto de serviços e residências de seus trabalhadores. Mais tarde, em 1921,este planejamento permite a expansão da cidade com o surgimento do bairro Amambaí. Este bairro, inicialmente, destinava-se ser ocupado pelas residências e unidades militares da Circunscrição Militar.

Em 14 de outubro de 1914 chega a Campo Grande a comitiva que realizava a inauguração oficial da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.

A localização de Campo Grande atendia os objetivos econômicos e estratégicos da Companhia de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, por isso, a cidade é escolhida para sediar uma Diretoria Regional que atenderia todo o Sul de Mato Grosso. A Companhia além de construir instalações para abrigar seus serviços técnicos e burocráticos, constrói, também, casas para atender todos seus funcionários.

A ferrovia provoca o afluxo de imigrantes e migrantes, sendo que entre estes últimos estão os funcionários da Companhia de Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Eles vêm para atender os diferentes serviços e de acordo com os interesses dessa companhia alguns funcionários permanecem definitivamente na cidade, outros são remanejados. Este intercâmbio permite constante renovação de idéias, porque estes funcionários se envolvem com a vida sócio-econômica e política da cidade e do Estado.

Após a regularização das viagens ferroviárias, Campo Grande gradativamente centraliza no sul de Mato Grosso, as principais atividades econômicas e políticas. Esta sua condição de entreposto comercial lhe oportuniza outra condição, a de pólo irradiador de idéias.

Um outro fator que facilita a divulgação das idéias são os jornais. Os primeiros que circulam em Campo Grande são: “O Estado de Mato Grosso”, junho de 1913, fundado pelo Dr. Arlindo de Andrade Gomes; “A Ordem”, em setembro de 1916; “Correio do Sul”, em março de 1917; “O Sul”, em junho do mesmo ano. Alguns destes jornais pioneiros desaparecem e dão lugar ao surgimento de outros. Todos eles noticiam os acontecimentos políticos locais, tecem críticas à política do governo estadual, e divulgam os acontecimentos sociais. Com a ferrovia, a cidade passa a receber com freqüência jornais editados em São Paulo e Rio de Janeiro, desta forma os campo grandenses se inteiram dos acontecimentos ocorridos na capital federal e demais Estados litorâneos.

A regularização das viagens ferroviárias facilita a exportação do gado, madeira e a importação de produtos industrializados, e propicia, também, aos campo grandenses mais conforto nas viagens de negócio e lazer.

Após a ferrovia, alguns fazendeiros sul mato grossenses fixam residência em Campo Grande, para melhor dirigir seus negócios e ao mesmo tempo, se inteirar dos acontecimentos políticos locais, estaduais e federais.

A ferrovia favorece a transferência do eixo econômico Cuiabá e Corumbá, através do rio Paraguai, para Campo Grande e São Paulo.

Simultaneamente, à regularização das viagens ferroviárias, o governo federal, em 1921, através do Ministério da Guerra Pandiá Calógeras, transfere de Corumbá para Campo Grande, o comando da Circunscrição Militar. Este conjunto congregaria todas as unidades militares sediadas no Estado de Mato Grosso. Campo Grande assume o “status” de capital militar.

Os militares trazem de outros Estados novas idéias e experiências políticas. A permanência destes, em Mato Grosso, obedece a critérios e interesses do Comando Militar. Quando concluem a tarefa ou a missão para a qual foram designados, são transferidos para outra localidade dando lugar à vinda de outros. A interação entre militares e campo grandenses, o constante remanejamento destes militares possibilitam a renovação de idéias, permite também, a repercussão e influencia do tenentismo no movimento divisionista. A presença dos militares objetiva manter a ordem e a disciplina no Sul de Mato Grosso, e coibir as manifestações divisionistas.

Em 1930, Campo Grande conta com 12 mil habitantes, está dotada dos principais órgãos administrativos estaduais e federais, Poder Judiciário e outros serviços. O comércio conta com mais de 200 estabelecimentos, três agências bancárias, uma agência de Correios e Telégrafos, vários estabelecimentos de ensino público e privado, iluminação elétrica, abastecimento de água canalizada, telefones e vários clubes recreativos. As propriedades localizadas no município de Campo Grande estão interligadas com a sede através de estradas carroçáveis, facilitando, desta forma, o escoamento da produção destas propriedades. O movimento na estação ferroviária, causado principalmente pela exportação de gado, madeira e outros produtos, e a importação de bens industrializados é intensa, contribuindo para que a arrecadação tributária de Campo Grande seja de 28%, em relação à arrecadação de Mato Grosso.

A partir de 1930, Campo Grande, tendo em vista sua importância socioeconômica e política, concentra as discussões sobre a divisão do Estado. Os campo grandenses objetivando apoio para o movimento divisionista, participam, ativamente, da Revolução de 1930, liderada por Getúlio Vargas e da Revolução Constitucionalista de 1932, esta última é uma reação dos paulistas contra o governo ditatorial de Getúlio Vargas. Bertoldo Klinger, comandante da Circunscrição Militar em Mato Grosso e um dos líderes da Revolução Constitucionalista, institui o Estado de Maracaju e nomeia Vespasiano Martins para governador. Este ato eleva Campo Grande à condição de capital político administrativa no novo Estado. A derrota dos constitucionalistas contribui para a extinção do Estado de Maracaju, conseqüentemente, Campo Grande perde o “status” de capital político administrativa.

Esta derrota não arrefece o ânimo dos campo grandenses. Dois anos depois, em 1934, é criada em Campo Grande, a Liga Sul-Mato-Grossense, que inicialmente objetivava angariar apoio dos sul mato-grossenses, para o manifesto que seria encaminhado ao Presidente do Congresso Nacional Constituinte. A Liga coleta 13 mil assinaturas, com isso, ela visava também, sensibilizar o governo federal, particularmente, os Constituintes para que estes ao elaborarem a Nova Constituição, aprovassem a divisão de Mato Grosso.

Getúlio Vargas e os Constituintes não aprovam a divisão do Estado, mas os campo grandenses se mantém fiéis ao movimento divisionista até 1977, quando o Presidente Ernesto Geisel promulga a Lei Complementar n°31 que cria o Estado de Mato Grosso do Sul e Campo Grande é elevada à condição de capital.

Texto extraído da Revista ARCA n. 5 (1995), autoria de Alisolete Antônia dos Santos Weingärtner.